Convenções

XXX.XX – Referência

a referência ao corpus é feita com uma sequência de cinco numerais, os três primeiros indicam a canção, e os dois últimos, o verso correspondente. Por exemplo, 550.14 refere-se ao 14º verso da 550ª canção do corpus, Drão, de Gilberto Gil:

550.14
Não PEN se na se pa ra ÇÃO

σ – Sílaba

a sílaba (σ) é a unidade elementar da hierarquia prosódica (Nespor & Vogel, 1986:61) e, na palavra cantada, está necessariamente alinhada a uma nota (N).

N – Nota

a nota (N) é a unidade elementar da hierarquia melódica e que, na  palavra cantada, está necessariamente alinhada a uma sílaba.

| – Slot rítmico preenchido

os elementos que compõem a cadeia rítmica na palavra cantada (slots) são virtuais, ou seja, podem ou não ser preenchidos por um par σ/N. O símbolo | representa um slot preenchido. Por exemplo:

521.10
Sílaba    Eu  tja nun CI   o  nos si  NOS das ca  te DRAIS
           |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |
Nota       N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N

* – slot rítmico não preenchido

os elementos que compõem a cadeia rítmica na palavra cantada (slots) são virtuais, ou seja, podem ou não ser preenchidos por um par σ/N. O símbolo * representa um slot não preenchido. Por exemplo:

033.01
Sílaba        fe  li  ci  DA          de  FOI        sjem BO  re   
           *   |   |   |   |   *   *   |   |   *   *   |   |   |   
Nota           N   N   N   N           N   N           N   N   N   

\/ = redução prosódica

O Princípio da Associação dos Terminais afirma que cada terminal da cadeia melódica (N, nota) deve ser associado a um e apenas um terminal da cadeia silábica (σ, sílaba) e vice-versa. Quando isso não ocorre, ou (i) a cadeia silábica é reestruturada por redução prosódica, na qual uma ou mais sílabas são apagadas, ou (ii) a cadeia melódica é reestruturada por redução melódica, na qual uma ou mais notas são apagadas, Uma redução prosódica vai de encontro à fonologia do português falado. Por exemplo, em 541.07 temos uma redução prosódica. 

541.07
Sílaba      Tra tei da  su  a   a sa
             |   |   |   |   \ /   |
Nota         N   N   N   N    N    N 

/\ = redução melódica

Ver redução prosódica.

Σ = pé métrico

Pé métrico é o constituinte que se situa imediatamente acima da sílaba na hierarquia prosódica. Compreende uma e apenas uma sílaba forte e pode ter de nenhuma a várias sílabas fracas. Em português, o pé é binário, construído da esquerda para a direita, com a sílaba proeminente à esquerda (ou seja, um troqueu). Assim, a palavra felicidade apresentaria a seguinte distribuição de proeminências:

Pé      x  (x   .) (.   x)         
Sílaba (x) (x) (x) (x) (x)        
       fe  LI  ci  DA  de

P = pulso melódico

Unidade virtual ou real da métrica melódica. O pulso determina quais notas de uma cadeia serão proeminentes e quais não serão, subvertendo, quase sempre, o ritmo da fala. É o que ocorre, por exemplo, nos dois primeiros versos de Tempo de estio, de Caetano Veloso. Quando falados, esses versos apresentam a seguinte distribuição de proeminências

Pé     (x   .) (.   x)         (x   .) (.   x)
Sílaba (x) (x) (x) (x)         (x) (x) (x) (x)
       QUE ro  co  MER         QUE ro  ma  MAR

Quando cantados, porém, as proeminências são redistribuídas pelo pulso da melodia

<515.01-02>
Pé               que RO  co  MER                 que RO  ma  MAR
Sílaba	         que ro  co  mer                 que ro  ma  mar
              *   |   |   |   |   *   *   *   *   |   |   |   | 
Nota              N   N   N   N                   N   N   N   N
Pulso         P       P       P       P       P       P       P

Por convenção, as sílabas associadas aos pulsos são grafadas em caixa alta

<N = síncope

<050.01-02>
Sílaba      Sam BA  da  mi  nha TE  rra dei xa  GEN te <MO              le
             |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   *   *   *   |   
Nota         N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N
Pulso            P               P               P               P

ω = palavra fonológica

Constituinte da hierarquia prosódica que domina o pé e que corresponde ao nó terminal de uma árvore sintática. Aparentemente, a palavra fonológica é musicalmente transparente, não sendo afetada pela interação entre texto e melodia.

C = grupo clítico

H = função harmônica sujbacente (manifestada por um acorde)

PhP = frase fonológica

IP = frase entoacional

E = enunciado melódico

A análise do corpus é realizada por meio de um sistema de representação chamado “grade estrutural”. Texto e melodia são projetados numa grade de modo a tornar visíveis as relações entre a estrutura prosódica do texto e a estrutura rítmico-harmônica da melodia. Assim, quando projetado sobre a grade estrutural, o primeiro verso de Felicidade apresenta a seguinte aspecto:

033.01
FrasEnt   [                                               IP    ]
FrasFon   [               PhP           ][PhP          ][ PhP   ]
Sílaba        fe  li  ci  DA          de  FOI        sjem BO  re   
           *   |   |   |   |   *   *   |   |   *   *   |   |   |   
Nota           N   N   N   N           N   N           N   N   N   
Pulso      P               P               P               P        
Cel                        C                               C
EnuncMel                                                   E

Por convenção, os constituintes prosódicos, sílaba, pé, frase fonológica (PhP) e frase entoacional (IP) ocupam a parte superior da grade, e as unidades melódicas, nota (N), pulso (P), célula (C) e enunciado melódico (E), são dispostas em colunas na parte inferior da grade em quatro níveis. Sílabas e notas são ligadas por linhas de associação ( | ) e as pausas ou prolongamentos de notas são representadas por asteriscos (*). Em princípio, toda melodia cantada pode ser projetada numa grade estrutural.

A principal vantagem do sistema de grade é que ele permite a representação simultânea de duas estruturas, textual e melódica, o que seria impraticável com outros sistemas, como os colchetes rotulados ou as estruturas em árvores. Essa dupla representação permite a visualização direta de fenômenos prosódicos e rítmico-melódicos e sua mútua interferência.

Além disso, a grade permite a observação  por meio da grade estrutural torna-se evidente que a primeira parte de Felicidade apresenta, de fato, uma única estrutura rítmico-harmônica:

033.01-04
Sílaba        fe  li  ci  DA          de  FOI        sjem BO  re   a  sau
          DA  de  no  meu PEI         twa IN          da  MO  ri   é  por  
           I  sso que  eu GOS         to  LÁ          de  FO  ra  por que
          SEI kja fal si  DA          de  NÃO         vi  GO      ra 
           |   |   |   |   |   *   *   |   |   *   *   |   |   |   |   |
Nota       N   N   N   N   N           N   N           N   N   N   
Pulso      P               P               P               P        
Cel                        C                               C
EnuncMel                                                   E

Projetando-se os versos da segunda parte da canção na grade estrutural, obtém-se uma diferente configuração:
033.05-08
Sílaba         a  mi  nha CA  sa  fi  ca  LÁ  de trás do  MUN
                          MUN do  mas  eu VOU  em  um se  GUN  
                          GUN do quan do  CO  me  çoa can TAR
              eo  pen sa  MEN to  pa  re  CEU ma coi  sa  TO
                           TO  a  mas co MUÉ  kja gen te  VO  
                           VO  a kwan do  CO  me  ça  pen SAR
           *   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   
Nota           N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N      
Pulso      P               P               P               P   
Cel                        C                               C
EnuncMel                                                   E

o que mostra que o que torna um conjunto de versos uma totalidade que se denomina “parte” é o fato de estes se conformarem a uma grade estrutural determinada. Uma canção em duas partes (primeira parte e refrão, p.ex) nada mais é que uma canção com duas grades.

A grade estrutural é também um recurso heurístico para a investigação do papel da melodia na realização ou não de certos processos fonológicos que afetam os núcleos das sílabas, os deslocamentos de acentos e as reestruturações silábicas (ver Gramática).

As seguintes convenções são adotadas quanto ao uso de símbolos numa grade estrutural:

a) A referência ao corpus é feita por um conjunto de números: os primeiros três numerais indicam a canção e os dois últimos o verso correspondente. Por exemplo, #045.14 corresponde ao 14º verso da 45º canção do corpus, Drão, de Gilberto Gil:

Drão (Gilberto Gil)

#045.14
Sílaba    Não pen se na se pa ra ção

b) Sílabas proeminentes são representadas por caracteres em caixa alta.

O rouxinol (Gilberto Gil & Jorge Mautner)

#033.07
Sílaba    tra TEI da SUA a A sa

c) A estrutura prosódica é representada com colchetes, na maioria dos casos em apenas três níveis, sílaba (σ) , frase fonológica (PhP) e frase entoacional (IP).

Anunciação (Alceu Valença)

#010.10
FrasEnt  [                                       IP ]
FrasFon  [           PhP] [      PhP][          PhP ]
Sílaba    Eu tja nun CI o nos si NOS das ca te DRAIS

d)Processos fonológicos são representados pelo símbolo (=>).

e)Sempre que possível é empregada a representação ortográfica na transcrição das sílabas. Os casos de ressilabação envolvendo ditongos serão representados pelas semiconsoantes j e w.
ex: que hoje = kjo je

Drão (Gilberto Gil)

#045.02
Sílaba    wa mor da GEN tje co mum GRÃO (o amor da gente é como um grão)

f) Os casos de alçamento ou abaixamento vocálico são transcritos com os símbolos do AFI.

Atirei o pau no gato (anônimo)

#018.06
Sílaba    dʊ.Bε.rʊ => dʊ.be.RO

g) A síncope é representada por um colchete angular à esquerda da nota.

Samba da minha terra (Dorival Caymmi)

#050.01
FrasEnt  [                                            IP                ]
FrasFon  [    PhP][           PhP   ][PhP   ][        PhP               ]
Sílaba    Sam BA  da  mi  nha TE  rra dei xa  GEN te  MO              le
           |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   |   *   *   *   |   
Nota       N   N   N   N   N   N   N   N   N   N   N  <N

h) Dado que a grade estrutural representa a marcação rítmico-harmônico da melodia, informações não pertinentes para tal marcação são abstraídas. Por exemplo, as colcheias pontuadas de Cajuína (a) e as colcheias não pontuadas de Anunciação (b) recebem exatamente a mesma representação estrutural.

(a) Cajuína (Caetano Veloso)

#001.01
Sílaba    e  xis tir MOS  a  que se
          |   |   |   |   |   |   |
Nota      N   N   N   N   N   N   N
Pulso                 P

(b) Anunciação (Alceu Valença)

#010.01
Sílaba    na bru ma  LE  ve  das pai
          |   |   |   |   |   |   |
Nota      N   N   N   N   N   N   N
Pulso                 P

K = pé prosódico